Quem faz um blog fá-lo por gosto

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Feicebuque

Caiam para o lado, vão a correr fazer filhos. Não se aguenta #superaareeiro FOTO: A Família Numerosa.


Enquanto o Superman desta família não arranja o template à Wonderwoman que vos escreve - já imagino este blog todo quitado, como aqueles de primeira linha -, venho aqui muito rapidamente dizer-vos que esta família já está no Facebook.

Aqui.

(A Isaurinha foi hoje inaugurar a Piscina do Areeiro da minha infância. Com um pacote especial para famílias numerosas estamos completamente fãs)

quarta-feira, 29 de abril de 2015

29 de Abril

Foto: Diana Quintela. O Photomaton do casamento da Estrela e as mãos da minha madrinha Thê


As roseiras de Santa Teresinha estavam em flor, a abraçar um dos portões do Jardim da Estrela.
Aqui na sala, onde escrevo, o botão de rosa que roubei de um logradouro do Bairro de Alvalade traz-me o perfume de um amor perfeito: o meu e o do João.

À hora marcada, há nove anos, conhecíamo-nos finalmente debaixo das rosas de Santa Teresinha. Ele era o leitor número 50.000, o número da sorte em que pus todas as fichas do meu destino.
Era tudo ou era nada.

Ele trazia uma tee-shirt pingona, conta-me vezes a fio que nem se deu ao trabalho de fazer a barba, que vinha despenteado. Apresentou-se-me tal e qual como era - cartas todas na mesa, nada a esconder, sem floreados a não ser aqueles do portão da Estrela onde marcámos o encontro.
Na mão trazia um presente. Não era para mim. Era para a minha filha Carolina, um Noddy, o seu amado Noddy.

Abram alas para o Noddy e para um grande amor. Foto: A Família Numerosa.

Sim, ele apresentou-se tal e qual como era: perfeito. Os mais cínicos chamar-me-iam à razão, poriam em causa o meu deslumbramento. Mas eu soube logo que ele era um anjo. Não me recordo da barba por fazer e o dress code também não era relevante para o caso - os anjos reluzem e basta. Só me recordo do guizo do chapéu do Noddy de peluche que ele trouxe para a Carolina a tilitar, como quem anuncia uma boa ventura.

O post de ontem era sobre dentes e dentistas. Sobre amizades improváveis e sobre o amor incondicional, à prova de qualquer defeito ou assimetria.

Colgate loves Pepsodent. Amor para Sempre. Foto: A Família Numerosa.

Há nove anos conhecíamo-nos finalmente, com a bênção de Santa Teresinha, no Jardim da Estrela, e nunca mais nos apartámos um do outro. Nunca mais. Começámos a a viver juntos a partir desse mesmo dia e a mudança dos tarecos do João para a minha casa foi a coisa mais natural e simples: dois pares de calças, três ou quatro tee-shirts, uma escova de dentes. Escassos dias depois dessa feliz coincidência que o Universo decidiu engendrar eu partilhei no meu blog esta foto, de duas escovas de dentes enamoradas. Era o fim da solidão das nossas vidas.

29 de Abril é para nós o dia em que o amor venceu.
É o dia de todas as improbabilidades e de todas as coincidências.
Dia 29 de Abril é o dia mais feliz.

O Marquês e a Marquesa pelas ruelas de Alfama, a caminho do copo de água. Foto: Não sei bem de quem.

[Há oito anos casámo-nos no Coreto do Jardim da Estrela, num contrato selado com pétalas de rosas de Santa Teresinha e algumas formalidades burocráticas. Voltámos a apostar tudo o que temos e em frente a todos os nossos amigos e família. É coisa séria o que temos; é a fortuna do amor; é a lotaria da vida que já nos deu mais do que pensávamos que fosse possível. Nem tudo são rosas apadrinhadas por santas e contos de fadas. Há oito anos vi o meu pai pela última vez. Escassos e breves instantes antes de me casar. Ele disse-me: 'Estás tão bonita'. Foi a última coisa que me disse.]

terça-feira, 28 de abril de 2015

A Fada dos Dentes (e um fenómeno do Entroncamento)


Este post nãoé patrocinado pelo Lidl, mas adoramos estes gelados e as suas caixas que depois guardam Legos, cartas de Invizimalz e bolachas FOTO: A Família Numerosa

Não foi uma estreia: esta família é pródiga em acontecimentos odontológicos paranormais. Não tendo sido inédito foi o quanto baste para eu me sentir a pior mãe do mundo.

Mas recuemos no tempo – apertem o cinto de segurança: esta história vai andar para trás e para a frente; é um recurso estilístico recorrente e hoje, passados estes dias todos de pousio, quero demorar-me neste quintal, quero revolver bem esta terra, para depois, com um pouco de sorte e com todo o trabalho árduo que, só quem ousou plantar um jardim sabe do que falo, possa colher os frutos desta sementeira.

Não foi novidade, já vos disse e volto à mesma tecla. Uma das primeiras vezes que me senti o centro do mundo no mau sentido foi numa cadeira de dentista. Mas esse foi também o princípio de uma grande amizade. Uma amizade improvável. É que fiz uma amiga à prova de alicates, brocas, seringas com anestésicos capazes de me adormecer o nariz empinado. E coisa mais preciosa não há. Nunca fomos ao café, como fazem os amigos, nunca nos vimos sem ela estar de bata branca. A nossa relação nasceu numa cadeira articulada de um dentista e envolveu luvas de borracha e instrumentos esterilizados.

Foi a única vez que fiz uma amiga de boca aberta, mas sem dizer um pio. E isso é obra.

Arrancou-me doze dentes no total, desvitalizou-me outros tantos, riu e chorou com as minhas histórias mirabolantes e eventos extraordinários, viu-me crescer, passar fases boas e fases terríveis. Era talvez um pouco mais velha que eu, nada de muito relevante: a verdade é que quando somos novos não reparamos nessa coisa da idade, mas a meio de um tratamento qualquer, dos milhentos a que me submeti naquele gabinetezito à Praça de Espanha, vi-a crescer e a tornar-se mãe como eu. Éramos da mesma geração.

A cada desaire, a cada tragédia pessoal assistiu-me a ir ao fundo e a voltar com o fôlego sôfrego à superfície. Viu-me a ganhar peso e a quase nunca conseguir perdê-lo na totalidade. Conheceu-me solteira, Lolita encantadora de dentes encavalitados, a espalhar charme a meio mundo e depois, de um momento para o outro, já com titânio colado aos dentes e elásticos cor-de-rosa a alinharem o sorriso, viu-me mãe solteira e a sofrer com isso. Conheceu dois dos meus filhos e chegou a tratar-me cáries com um bebé agarrado à mama. Sei que ficou feliz e aliviada quando percebeu que o João não era efabulação, que existia mesmo, que não era um amigo imaginário, um delírio meu, e branqueou-me o sorriso, para condizer com o vestido do meu casamento, há quase oito anos.

Ela endireitou-me não só os dentes mas a vida também. O nome dela era Sofia, Sofia Margarido. Sei que, neste momento, onde quer que esteja, está a rir à gargalhada com o que eu me fui lembrar. Mas eu nunca a esquecerei.

Foi há uma vida que nos conhecemos. Conhecemo-nos aleatoriamente, arranjinho do bom do destino.
Ali estava eu com as mandíbulas abertas e totalmente expostas, dentes em gigantesco desalinho e apinhamento, sem grande dignidade, diga-se, porque ninguém mantém a compostura na cadeira do dentista, com tanta gengiva e tanta saliva à mostra.

Hirta e desconfortável, incapaz de balbuciar fosse o que fosse de forma perceptível, encontrei-a numa primeira consulta com uma jovem dentista que tinha acordo com o seguro de saúde que o meu antigo patrão, o rei dos supermercados e dos jornais de referência, oferecia a todos quantos trazia para a grande família Sonae.

E, de repente, chega o RX tirado minutos antes, acende-se a luz fluorescente para ver o state of the art da cremalheira da jovem de pouco mais de vinte aninhos e vem o silêncio, alguns hmmm, a cabeça da jovem dentista inclinada para a direita e depois para a esquerda, o RX arrancado da caixa de luz, eu de boca aberta com o aspirador de baba a um cantinho, e a dentista: ‘é só um bocadinho, vou só ali a um gabinete mostrar o seu RX’.

Começou o burburinho. Seguiu-se uma peregrinação ao pequeno consultório com porta de fole. Vieram de muitos gabinetes, em romaria, contar os dentes revelados em chapa por uma carga catita de radiação. Eu lá continuei de boca aberta sem perceber o que me acabara de acontecer.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito. Era muito juízo junto em tão tenra idade. A chapa do RX revelou um totoloto de dentes do siso. Eram oito, mais quatro do que a maioria da gente que ainda se dá ao trabalho de parir estes dentes sem sentido.

Foi assim que nos conhecemos. Uma espécie de fenómeno do Entroncamento dos estomatologistas. Uma protegida da Fada dos Dentes. Um horror para os seguros de saúde.

Hoje tenho menos quatro dentes do que era suposto, tantos quantos foram necessários para poder ter uma boca e um sorriso arrumadinho. As arrumações têm sempre que começar por algum lado e na minha vida começámos por ali.

Já não tenho dentes em cima uns dos outros – guardo o molde em gesso para relembrar esses tempos em desalinho. Trago o peso na consciência de ter renegado uma característica genética do meu pai, que me unia a ele e aos meus três irmãos: os dentes encavalitados (agarro-me ao meu canino rilhão). E tal como uma pessoa que foi muito tempo gorda e depois emagreceu metade da pessoa que os seus pés sustinham, às vezes ainda não me reconheço.

Tal como um filho da terra que dela parte à procura de alguma coisa, também os meus dentes se sentem apátridas onde foram metidos à força e andam sempre com ganas de voltar ao sítio onde foram felizes. Parto o aro metálico de contenção do sorriso milimetricamente planeado a comer um entrecosto, ou uma broa de milho e tenho que ir de imediato repô-lo. Porque sem amarras, eles nem estão de modos: vão sempre regressar a casa. O que nasce torto…


Adiante.
Tive um molar temperamental que a cada filho parido decidiu juntar um ‘t’ ao verbo parir, partindo-se (dentes brincando com as palavras, que delícia).
A Sofia domou esse molar com tendências suicidas das duas primeiras vezes com arte e mestria – amálgamas perfeitas, danos escondidos em jeito de escultura.
Tinha a Aurora bebé quando o teimoso molar se estilhaçou de novo. 
Cada filho cada dente - e eu sempre a esquecer-me do cheque dentista do SNS. Estava a tomar café na Avenida de Roma - junto à linha do comboio. Voltei aos provérbios e optei por não deixar para amanhã o que podia muito bem ser feito naquele hoje.
 Da esplanada para uma torre de telemóvel, dali para o consultório, e já a imaginar a cara da Sofia quando lhe mostrasse a surpresa muito morena que lhe traria.

Do outro lado da chamada, a Sandra, a recepcionista que (re)conheço há uma vida, fez o melhor que pôde e o incómodo era audível pelo meu tímpano, que ferveu de imediato. Ninguém devia ser obrigado a dar uma notícia destas pelo telefone e a Sandra já teve de o fazer vezes e vezes sem conta… 
A minha amiga morreu.
Eu tive outro filho.
O meu molar não resistiu. Arranquei-o a semana passada.
Tentei, mas não consegui voltar à Praça de Espanha, onde a minha amiga Sofia descobriu que eu tinha juízo a dobrar, pelo menos a acreditar na sabedoria popular.


Temos muitas formas de caminhar por esta vida. A minha não é mais nem menos válida que a vossa, que a do meu vizinho ou mesmo que a do meu marido, aqui ao meu lado, o único ser com quem consigo trabalhar em equipa, a criatura que tem o condão de revelar o melhor que há em mim e de o multiplicar por duas criaturas loiras e duas criaturas escuras, com quem partilho tanta coisa, quase tudo menos a maneira como vejo o grande plano desta vida, a metáfora perfeita de que sentido terá ela.
Eu sinto que esta vida anda toda entrelaçada. É coisa de crocheteira, de quem, na infância, ajudou a mãe a desenredar muitas meadas de lã eriçadas umas nas outras, num Mikado diabólico. Era preferível se fosse um tear: tudo certinho, linhas certas onde não se conseguiria escrever o destino torto.
Mas não é bem assim e eu vejo a minha vida toda como uma meada de uma lã grossa de uma cor muito vibrante, como um magenta, que se enredou com outras meadas de muitas cores, de muitas fibras, umas ásperas, outras macias, umas finíssimas como uma teia de aranha, outras fortes como um cabo de aço. E para todas elas, para todas as vidas, há uma saída desse turbilhão de fios. Por vezes, o emaranhado foi deliberado, mas outras houve em que pode ter sido apenas um gato brincalhão deliciado com um novelo a amarfanhar todos os fios-destinos das marionetas que somos todos nós. Há sempre mais do que uma saída, mais ou menos atribulada, mexendo em mais ou menos fios, abraçando-os, tropeçando neles, armando mais confusão ainda, chegando a bom-porto sozinho ou acompanhado.

Não estaria onde estou se não tivesse oito dentes do siso. E apesar dela já cá não estar neste mundo, foi graças à Sofia Margarido que posso hoje escrever esta história – fui ali buscar o seu novelo e comecei a tricotar esta história (há muitos fios para rematar, espero não deixar cair uma malha que desabe toda esta história.)

É graças à Sofia que conheço outra dentista que trata do sorriso dos meus filhos. Elas nem se conhecem, acredito que isto esteja sempre a acontecer entre médicos – recomendam-se mutuamente sem grandes conhecimentos a não ser o da reputação que os precede.

Como disse: não me deveria ter chocado assim tanto. A Carolina começou com o fado da mandíbula aos seis anitos, quando fui para uma consulta de rotina e a Dra. Joana Farto me fez ver que a rapariga não conseguia fechar a boca porque os seus maxilares não lho permitiam. Seguiram-se dois anos de consultas mensais e de amizade a cada apertão de um aparelho chato que foi a tempo de resolver a grande parte do problema.

Não foi portanto a primeira vez que me senti uma péssima mãe. A Carolina não fechava a boca e não cuidei de reparar. E assim como assim, vamos ao dentista em excusrão,à clínica futurista da Dra. Joana e do marido, no meio do campo e só por isto já nos sentimos num filme de ficção científica, na twilight zone entre a broca, a tecnologia de ponta, as diversas especialidades e as ovelhas e o eucaliptal do vizinho.

Entrámos e disse à Dra. Joana Farto: “Doutora, o António está como os tubarões, não lhe caem os dentes de leite por nada e estão a nascer atrás os definitivos”.
Achei que ia ter imensa graça, que a história ficaria por aqui, o alicate puxava o de leite e o definitivo avançava. Até daí a seis meses.
Mas então a Doutora Joana Farto diz: ‘Rico filho, está tão mal acabadinho! Então e os pais já contaram os dentes do miúdo?’

(Foi a segunda vez que um médico me falou dos acabamentos do querubim. À nascença foram os dedos dos pés e os desabafos do corpo clínico: ‘pelo menos não é uma menina…)’

Eu respondi: ‘Sim, tem duas filas de dentes, os de leite e os definitivos. Foi por isso que cá viemos!’

Façamos um à parte: o meu filho é perfeito. Partiu os dentes da frente com 18 meses, e a cada trambolhão foi encavalitando ainda mais a dentadura. Aos dois anos ganhou uma cicatriz no canto do olho num acidente idiota, que me valeu uma semana de choro de Madalena (a Aurora abriu o lábio e já não levou nem uma gotinha, nem uma lágrima para amostra; estou um couraçado!). À parte os dedos dos pés, o António é perfeito, com as suas pestanas de ouro, a sua covinha na bochecha, a sua pele branca como o leite.

Menino de oiro da sua mãe. FOTO: A Família Numerosa
‘Ò Mãe, o seu filho tem três dentes da frente. Três incisivos! Nunca reparou?’

Já repararam que não se vende Pepsodent cá no burgo, mas ainda usamos a expressão 'sorriso Pepsodent'?

Um, dois, três incisivos. É isto. A Fada dos Dentes pode arranjar um saco-cama cá para casa. Foto: A Família Numerosa


Não, nunca reparámos. Ninguém reparou. Um, dois, três. Três dentes da frente, bem à frente, e não reparámos; ele é perfeito: é o meu menino de ouro que me faz sempre rir, que está sempre a rir, que importa que tenha um dente a mais.
Um fenómeno do Entroncamento. 
Uma mãe galinha com alguns genes de coruja míope que não contou os dentes à sua cria, que nunca foi boa de contas e por isso nem deu conta tão gritante assimetria. Uma dor de cabeça para a Fada dos Dentes que em tempos de crise vê-se na contingência de ter que aumentar o orçamento para deixar a sua magia debaixo da almofada do tubarão Ralha. Já sem para falar que, com tanto dente que vai ter que vir cá buscar, mais valia montar aqui a barraquinha, montar uma sucursal ou coisa que o valha.


Uma história que se podia resumir a dez palavras – o António tem três dentes à frente e ninguém reparou– mas que andou aqui às voltas, às voltas, retirada do turbilhão de linhas cruzadas que é a nossa vida.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Uma gata, quatro mini-contos

Esta não é uma história monocromática, a preto e branco: esta é a história da gata que fazia 'pandan' com o chão da casa de banho e que todos os dias aquecia a saída de banho para a sua dona (para depois, ir ela própria dormir uma soneca na banheira aquecida pela água do duche).

Esta é a história da gata, que mesmo na corda bamba, nunca perdia a pose
Esta é a história da gata equilibrista que sonhava com as gaivotas do Tejo, lá ao fundo da janela...

Esta é a história da gata fashionista que ajudava a dona a escolher o outfit todas as manhãs.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

A foto do ano está aqui. Sem censura, a vida como ela é.


De repente, as fotógrafas da minha família -- a Raquel e a Catarina --  são também elas destemidas e super-mães de quatro filhos. 

Coincidências... Toda a minha vida é uma enorme coincidência de eventos extraordinários.

Somos mulheres diferentes - idades diferentes, percursos distintos, interesses e bagagens que nada têm a ver -  e, no entanto, temos em comum, como uma espécie de magnetismo inexplicável, que cruzou as nossas vidas a determinado momento (o terceiro filho, no caso), esta característica de gerar o espanto por onde quer que levemos a pequena alcateia de filhos, de viver a maternidade serenamente como uma dádiva maior, e de, à nossa própria maneira, partilharmos como é que esta palavra pequenina de três letrinhas apenas nos dá sentido maior à vida. Elas contam histórias atrás das lentes, congelam momentos de ternura irrepetível, e eu tento traduzir em palavras o efeito que essas imagens têm em mim.

Ao oitavo dia de vida, a Raquel parou o tempo . O milagre que é esta menina muito morena e cabeluda está aqui, nestas imagens que me fazem rebentar o coração.
Obrigada, 'tia' Raquel.


Sou eu! Made in heaven!



Mil e uma poses



Onde estão as asas, anjo bom?

Com o cachecol de crochet da mãe



  
E agora a foto da vida como ela é. No decorrer desta sessão angelical, que faz mais pela promoção da natalidade no país do que quatro anos de qualquer dos últimos Governos portugueses, houve xixis, cócós, bebés permanentemente acordados, dores da costura da cesariana e um ataque de riso histérico que nos levou às lágrimas, depois de rebolarmos loucos pelo estúdio, quando a bebé Isaura me bolsou para a cara, num momento único de partilha entre mãe e filha.
É a foto do ano :D




domingo, 5 de abril de 2015

Boa Páscoa

Como é que o coelho põe ovos? E como é que as fotos voltam a estar no sentido certo? Blogger, já basta de bugs! Foto: A Família Numerosa
Foi o melhor que se arranjou para simular um coelho da Páscoa: um filho com jeito para a palhaçada, umas calças de pijama da bebé.
Desejamos a todos uma Páscoa doce, com o mínimo de açúcar envolvido (nada é pior do que um bando de putos com uma tripe de sacarose e cacau - duas puríssimas drogas refinadas). O sabor a recomeço e a pujança e a força da Primavera superam o chocolate de terceira categoria. É esse o milagre da Páscoa. Não são cáries nem mais quilos na balança.


sábado, 4 de abril de 2015

Criptomnésia

Há quase dez anos eu também era um terrível diabito com cara de anjo a destruir a maquilhagem da mãe. Foto: A Família Numerosa
Socorro: estou criptomnésica!Cryptomnesia occurs when a forgotten memory returns without it being recognized as such by the subject, who believes it is something new and original.Isto a propósito dos terrible two e de eu convicta a assegurar que é a primeira vez que um filho me faz estes filmes e cenas tristes na difícil e turbulenta passagem para o segundo ano de vida... E depois, sem querer, por causa de um bug no computador, dou de caras com esta memória guardada num baú dos tempos modernos. E duvido da minha sanidade, questiono-e se terá sido das anestesias das cesarianas, ou se padeço deste tipo selectivo de amnésia...Bem vistas as coisas, uma mãe de quatro tem que ter uma boa dose de amnésia, ou de criptomnésia, ou das duas ao mesmo tempo. Senão, se a memória funcionasse perfeita como a de um paquiderme, tinha juízo e deixava-me quietinha com o quanto baste que a vida já me tinha dado.Terrible me...


sexta-feira, 3 de abril de 2015

Terrible Twos



Upside down. O querubim moreno endoidou. Foto: Ties

Não estava à espera de sair da maternidade com uma adorável e cor-de-rosinha recém-nascida ao colo, primeiro apanhar um frio do caraças que enregelou todos os ossos do esqueleto e depois só o da queixada, quando o temido momento da factura do aquecedor em cada assoalhada chegou, rodar a chave na fechadura, as luzes da árvore de Natal branca e encarnada a piscar como que dizendo ‘bem-vindos a casa’ e, do outro lado, lar querido e doce lar, ho ho ho, joy to the world, e ter à minha espera não uma mas duas adolescentes: uma com 11 anos e a outra com 19 meses.

Não tive direito a aviso prévio, pombo-correio, mensagem na garrafa ou mesmo pedra da calçada a voar pela janela a dentro – não houve curso de formação, nem pude treinar uma ou duas vezes. Agora sei-o, era uma bomba-relógio, uma panela de pressão, mas eu não ouvi o tic-tac nem a chiadeira, andava num outro mundo, com o centro gravitacional alterado por um barrigão de nove meses, e embriagada por um mundo de folhinhos, rendinhas e cueiros com cheiro a alfazema.

Rebentou-me esta granada nas mãos ao mesmo tempo que fazia malabarismos com fraldas, cólicas, fissuras nos mamilos, mastites e privações de sono. Tenho duas adolescentes em casa: uma com 11 anos e a outra hoje com 23 meses.

De repente, não (re)conheço as minhas meninas. 

Não fazemos mais pose: somos as terrible twos (e a foto recusa-se a rodar, é karmico). Foto: A Família Numerosa.

Neste momento, aliás, a mulher mais previsível desta casa é, seguramente, a pequena Isaura (comigo incluída – também eu me metamorfoseei numa outra coisa nos últimos meses; as hormonas em cocktail Molotof que em vez de explodir deu o efeito de ter tropeçado para dentro de um caldeirão de Xanax com cheirinho a bebé). Sei de cor as manhas e os caprichos da pequenina: a bebé Isaura funciona numa espécie de sistema binário muito simples: fome, xixi, desconforto, dor, rabujice. E tudo, mas mesmo tudo, se resolve com uma mama. É fácil; é mesmo muito fácil… E a minha mãe insiste na lenga-lenga que cai em saco roto, como há três filhos atrás: ‘quando eles forem mais velhos e tiverem um problema, o que é que fazes? Dás-lhes uma bola de Berlim? Fazes-lhes cozido à portuguesa?’Pois, mãezinha, lamento, infelizmente não funciona: já tentei encher o bandulho às duas adolescentes cá de casa e caiu tudo em saco roto.

Socorro, mãe! É uma adolescente aqui ao meu lado! Foto: A Família Numerosa

A mais nova está de greve de fome até mesmo antes de a irmã nascer. O pouco que come vai preferencialmente para os hidratos de carbono, com preferência para o arroz. Somos pais permissivos (isso ou não queremos – é mais não aguentamos - gritaria): se não quer não come, nunca ninguém morreu à fome com um prato cheio de comida à frente e o conduto deve-lhe vir de algum lado, pois continua uma matulona maciça.

Já a adolescente mais velha, a que antecipou a puberdade um bom par de anos face aos meus cálculos e melhores expectativas, é o terror dos buffets onde as crianças até aos 12 anos só pagam metade: os preferidos das famílias numerosas de filhos pequenos. A moça dá prejuízo à casa – daria prejuízo mesmo que pagasse a dose de adulto. Tudo nela germina à velocidade de uma Primavera a mamar esteróides ao almoço ao jantar e à ceia – até o mau-feitio, ou sobretudo ele, a par com o tamanho do nariz –, mas quem me dera que a medida da anca da minha mais velha (a começar a puxar perigosamente ao meu lado) fosse o único ou o maior problema com que tivéssemos a enfrentar nos próximos tempos.

Melancolia. Coisas de Adolescentes. Foto: A Família Numerosa.
Nesta casa vivem-se tempos de mudança.
Sabíamos isso desde que a bebé-milagre decidiu que tinha que vir parar a este agregado barulhento. Estávamos preparados – ou pelo menos achámos que sim: eu fiz muitos excel’s e outros planos maléficos e metafísicos – para as mudanças da visita da cegonha.

Mais uma vez, tempo perdido, para quê perder tempo a planear seja o que for? A bebé é um amor e nós temos o arcaboiço de quem já está a lidar com um recém-nascido pela quarta vez. Mas, surpresa!!! Toma lá duas adolescentes irrascíveis e leva ao forno para ver o que sai. E, por enquanto, ainda cheira a esturro…

As primeiras três semanas de vida da Isaura foram críticas para a minha adolescente de ano e meio e de cachos de caracóis e olhos negros. Pontaria das pontarias a família cresceu e essa adição de amor e coisas fofas coincidiu com a chamada ‘adolescência do bebé’ – os terrible two’s. Ou despoletou-a. Tanto faz. Deal with it!

Já ando neste ofício de criar filhos há mais de uma década, mas, talvez porque a paciência é outra aos vinte anos, nunca me dei conta de tal fase nos meus primeiros filhos. Ou então lia menos. E não havia Facebook e grupos de mães em frenesi de partilha ao segundo.

Greve de fome. Tudo começou suave discretamente com a greve de fome. E porque uma greve anda sempre a par de um barulhento protesto e manifestação houve gritos (e muitas lágrimas, ai tantas lágrimas). A vizinha do lado, octogenária bisavó, veio aflita perguntar-me o que se passava: ‘Não se ouve a bebé; só se houve a Aurora a chorar e a gritar… Está tudo bem?’

Não. Não estava tudo bem. E foi o suficiente para me esfrangalhar os nervos, acabadinha de parir. Fartei-me de chorar também. Um choro hormonal, mas de lágrimas gordas e desesperadas.

E como uma greve e uma manifestação não se fazem sem palavras de ordem, a minha terrível Aurora – outrora um ser celestial, entre o querubim seráfico e a perfeição de boneca de porcelana de edição limitada  – começou a falar. A falar tudo feito papagaio moreno de bico que já nada tem de sereno.

Visto à distância foi uma espécie de duelo:  ‘Ai vens para casa com um bebé cabeludo com ares de feto engelhado? Então toma lá, que eu estou cada vez mais linda a cada dia que passa e agora, ainda por cima, falo e cuspo trapalhonices fofas que derretem toda a família!’. Sem pudor assumo: ela ganhou esse round. Ninguém resiste à voz de bagaço meia belfa da menina. Dá vontade de lhe trincar as bochechas.

Mas não ficou por aqui. Como é da praxe, não é raro o registo de altercações nas greves, nas manifestações e nos protestos. E a Aurora está nesta luta de corpo e alma. ‘Ai o bebé arrotou e estão todos deliciados com o cheiro a requeijão azedo? Então espera, vou trepar a esta cadeira e atirar-me daqui para baixo. Ups, abri o lábio? Ups, isto está a doer! Paiiiiiiiiii!!!!’
Sim, pai! Eu deixei de existir na equação dos seus afectos – a Aurora está magoada e não é com o bebé; é comigo.

A mão que embala a pequena adolescente. Não é a minha. Foto: A Família Numerosa.
O pai agora é chamado para tudo, ela arrasta-lhe a asa e agarra-se-lhe às calças com aderência que lembra um anúncio da minha infância que envolvia cientistas colados ao tecto.

São inseparáveis; a Aurora passou a ser Electra, antecipando alguns anos o que reza a literatura sobre o assunto: o pai dá a comida, dá o banho, muda a fralda, adormece, consola, dá mimo, o pai brinca, o pai veste, o pai leva à escola e, coitado, é o pai quem vai sonâmbulo, pelas quatro da matina, hora em que o passarinho começa a fazer os seus primeiros gargarejos, sonhando com suculentas minhocas, e que passou a ser o primeiro momento de drama e birra do meu querido papagaio-gralha.

O pai vai paciente buscá-la à cama, solta baixinho um ‘shiu, não acorda o bebé’, e seguem juntos para o sofá, onde dormem tortos e tapados com uma matilha de três gatos solidários com a desgraça madrugadora que assolou aquela casa, até que, um bom par de horas depois, me levanto eu, dou corda à caixinha mágica que é esta família, e começa tudo a girar com a precisão de um relógio suíço em que cada minuto é tão frenético quanto precioso e eterno.

Nos primeiros momentos do dia é-me concedido um vislumbre da vida antes de a Isaura chegar, e volto a dar colo à bebé que foi forçada a crescer antes do tempo. Às primeiras horas da manhã, ou não se chamasse ela Aurora, ela concede que me adora e que também sente a minha falta. Vem com os caracóis ripados pelas almofadas, um despenteado volumoso que lhe tapa os olhos, tropeça desajeitada para cima de mim, e ficamos abraçadas uns cinco minutos, um abraço forte e beijos dorminhocos. Dura pouco tempo, mas eu agradeço a esmola.

Com sete pedras na mão e sem direito a nenhuma migalha de doçura. A minha adolescente de onze anos evita há muito todo o contacto físico que seja sinónimo de demonstração de afecto. Dar beijo de até já em frente à porta do liceu, por exemplo, é o mesmo que ter lepra. ‘Menos, mamã, menos…’ (ainda me chama mamã, já não é mau).


Me, myself and I. Foto: A Família Numerosa
A arrogância e soberba estão tão assanhadas como os pontos negros no nariz. A casa passou a ter portas fechadas – coisa nunca antes vista e que me implica com o sistema nervoso muito dado a um feng shui de aqui ninguém tem nada a esconder.

‘Preciso da minha privacidade!’, atirou outro dia, de dentro de um quarto imundo e desarrumado. De manhã, outra estreia: filas de espera para a casa-de-banho. A miss teen demora-se, novamente de porta fechada, há todo um ritual de beleza e de treino de poses ao espelho, apesar de as escolhas de roupa da sua lavra deixarem muito a desejar. Lembro-me que a mãe também me deixou desfilar com sapatos de verniz quando eu tinha 11 anos e que experimentar o mau gosto me fez, mais tarde, ter bom gosto, por antítese. E por isso encolho os ombros e já nem me dou ao trabalho de tentar direccionar a escolha do vestuário para o que acho que a favorecerá. Tudo funciona por psicologia invertida.

E depois há o raio do telemóvel que a avó lhe deu no Natal em reconhecimento das suas notas a pique e ausência de qualquer método de estudo e concentração – os avós têm comportamentos bizarros, razões que a razão não consegue descortinar.

Todas as conversas são sobre novos modelos, novas app’s, novos tarifários, qual é a password do wifi, o candy crush e o my boo, as selifies e, de quando a quando, algum mito urbano que envolva o aparelhómetro.

Quase todas as discussões são sobre este novo apêndice do corpo da minha primogénita, todos os castigos implicam-no invariavelmente, e tudo é sobre o dito. Não sei como ainda não voou pela janela em momentos de autênticos braços-de-ferro à minha paciência, ou como não o desfiz com um martelo no dia em que gritou, desesperada, quando lho confisquei por uma qualquer má criação: ‘eu não posso viver sem ele!!!!’  Já estive mais longe…

Sim, tenho a certeza, tenho uma cellfish em casa: eu, o meu umbigo, o meu telemóvel e mais nada. E a certeza que a procissão ainda está no adro. 

Eu faço pendant com a estátua e com o grafitti. Foto: A Família Numerosa
Entalado entre as minhas terrible twos, de onze anos e 23 meses, fica o rapaz-sanduíche por quem não dávamos nada e que, sem nos apercebermos, já lê, já escreve e teve muito boas notas, mesmo mantendo o seu registo de bobo da corte e no meio deste universo feminino em erupção.

Mas isso é para outra história…