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terça-feira, 4 de novembro de 2014

À espera de Isaura

Photomaton dentro do útero. Maravilhoso mundo novo powered by Ecox4d

A conversa paralisou-me momentaneamente.

Gaguejei e tive que pigarrear para aclarar a voz e recuperar o tino às cordas vocais, que bambolearam de fraqueza como quem vai ter um chilique. Sou capaz de jurar que fiquei com epiderme de galináceo, causada por um tremor de frio inexplicável num dia de Outono com 30 graus. E soubesse eu onde pára o meu comprimido estômago, espartilhado por um útero T4, teria sentido traças a trincarem-me as entranhas com satisfação.

Pela primeira vez nesta gravidez levei um bofetão da realidade e de um quadro menos cor-de-rosa.

Sabia, desde o meu ar de pânico a olhar para uma tirinha de plástico branco, com duas riscas cor-de-rosa verticais que me indicavam a presença da hormona beta HCG no meu primeiro xixi da manhã, que esta era uma gravidez de risco: o mito da cesariana número quatro, a imprudência de engravidar nem dez meses depois do bebé número três ter sido arrancado da barriga através de um bisturi num hospital finório de Lisboa, fizeram-me entrar num túnel de terror de onde só, muitas semanas mais tarde, consegui sair à base de estatísticas e estudos sobre os reais riscos associados a múltiplos partos por cesariana.

Mas, até agora, à parte esse primeiro capítulo traumático e os enjoos épicos até ao quarto mês de gestação, que tenho para mim que foram uma espécie de castigo por não ter abraçado esta gravidez logo desde o primeiro momento, optando por uma espécie de uma atitude de negação passiva-agressiva de assobiar para o lado a ver se passa, senti que ganhara super-poderes com esta menina e com os nossos dois corações a baterem em uníssono numa cumplicidade nunca antes sentida.

Certo é que tenho a pele da cara idêntica à de uma adolescente com as hormonas em total desvario, mas esse é o único senão de uma gravidez sem azia, sem inchaços, sem hipertensão, sem diabetes, sem dor ciática, e com um ganho de peso, às 34 semanas de gestação, de apenas 3,5 quilos.

Esta é a gravidez mais próxima do tão falado 'estado de graça'. E eu posso até dizer à bruta que odeio estar grávida - lamento a honestidade gritante mas é verdade -, que odeio o carrossel da flutuação de humores, do sono e do cansaço perfeitamente merecidos de quem está a gerar uma vida, do centro de gravidade totalmente alterado a cada dia que passa, das constantes provações e privações durante nove meses, mas a verdade é que sinto já uma melancolia tremenda de saber que esta viagem acaba daqui a pouco e que nunca mais se repetirá na minha vida.

Por isso, quando o médico muito moreno e de sorriso muito doce, que arrancou os meus filhos dentro de mim, me disse que as coisas estavam a evoluir menos bem, que a minha placenta estava no sítio errado e onde não poderia continuar a estar, sem o sobressalto constante e eminente de um trabalho de parto prematuro, eu fiquei estarrecida.

Sinto que esta é uma filha invencível, protegida por várias fadas-madrinhas, que a guiarão sempre para o resto da sua vida. É uma menina que quis vir com toda a força do mundo, revirando o nosso ao contrário, numa supresa e espantos que apenas quem já presenciou algo muito forte e luminoso como um milagre pode entender.

Apesar de já ter aceite a possibilidade de a poder vir a conhecer um pouco mais cedo do que estava inicialmente previsto - previsto por quem? mas alguma coisa foi prevista nesta gravidez? - acredito então que tudo correrá pelo melhor. Que poderei até fazer as piadolas de ter tantos filhos (três!) a nascerem no último mês do ano, o do Natal.

Estou, portanto, quietinha.
À espera de Isaura.

7 comentários:

  1. Minha querida, que corra tudo bem!!!
    Com post's tão lindos e tãããããoooooo bem escritos, como raio quase nunca tem comentários?!?!? Esta gente só gosta das futilidades de pipocas e outras que tais?
    Alexandra

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  2. Obrigada, querida Alexandra pelas suas palavras, pelo comentário e pela boa energia. Quanto à ausência de comentários é algo muito português: só se descarrega para dizer mal- Os livros de reclamações estão cheios e os de louvores são um imenso mar de folhas em branco. O que quer dizer que quem por aqui anda fica feliz com o que lê :) Menos mal, portanto! Beijinhos!

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  3. Já o disse aqui uma vez, as estatísticas são só isso, números.
    Falta pouco. Tudo de bom!

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  4. Não tem comentários?
    Pois eu tenho culpa!
    Venho cá sempre e amo o que me oferece para ler e usufruir.
    Obrigada.

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  5. :) É muito mimo! Obrigada pelas vossas palavras. Significam muito para esta mãe de quatro. E as visitas sem rasto de mansinho também são muito muito boas. Beijinhos.

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  6. Eu visito sem rasto de mansinho desde o dia zero deste blog. É que ficamos com aquela sensação de quentinho no estômago quando a lemos, com tudo tão bem escrito que achamos não ter nada a acrescentar. Mas é um facto que os tão merecidos elogios a cada post têm de se fazer sentir, mesmo sem nada mais a acrescentar. Muitos parabéns pela métrica perfeita entre o pensamento e a escrita, pela bonita família e pela sanidade que habitualmente é rara com tanta criança ;).
    P.S: Como mãe de gémeas garanto-lhe que é mesmo giro giro vestir as pequenas de igual =)

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  7. :) Obrigada. Estou de coração quente com todos estes mimos. Muito muito obrigada mesmo.

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