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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O primeiro dia de aulas do meu rapaz

Mochila às costas, nervoso miudinho à flor da pele: 'Estou com dor de barriga, mãe!".
Não há nada que não se resolva com uma boa careta!

Senti logo ao acordar que, apesar da sua leveza do ser, aquela que o faz pairar sobre a vida com despreocupação, sorriso e covinha na bochecha permanentes, o meu loiro amanhecera nervoso, e que o regresso ao rotineiro tique-taque matinal, aquele em que eu ando de um lado para o outro como uma louca, em contra-relógio, segundos contados para dar comida aos gatos, fazer pequenos-almoços, ajudar a vestir, lavar os dentes, ajeitar os calções, saias e camisolas, desembaraçar cabelos fininhos loiros, pôr ordem a cabelos grossos também de cor dourada e enfeitar cabeleiras encaracoladas morenas - basicamente as minhas manhãs resumem-se num chorrilho de ordens - o apanhara noutra disposição menos zen do que é costume. 

Havia uma electricidade no ar e não era do miserável tempo de trovoada. Hoje o dia tinha qualquer coisa de bomba-relógio, prestes a rebentar. E ele sabia-o bem; pode parecer um totó despreocupado sempre na sua, mas intuição não lhe falta. 

"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida, pequenote. É o teu primeiro dia de aulas." Diz-se-lhe isto e a ansiedade manifesta-se logo de imediato. Aprendeu com a irmã mais velha a roer as unhas e só de olhar para aquele sabugo até dói.

Logo pela manhã resmungou no banho (será que a fase 'Cascão' algum dia vai passar?), é uma trip de berros e choro com a qual ninguém merece começar o dia e, depois, enquanto lhe penteava a trunfa volumosa molhada, reclamou, alto e bom som, e a pedir mimo: "Mas quando é que me começam a cair os dentes?" 

(Também pede um milagre para que a cabeça lhe encolha um pouco para poder, como todos os amigos, passar pelas grades das escadas do recreio. Pobre filho, cabeçudo!)

É dura esta coisa de entrar um ano mais cedo para a escola. Desgraçadas das crianças do final de Dezembro; tardasse mais dez dias quentinho no ventre e carimbavam-lhe o passaporte para mais um ano de brincadeiras e infantilidades variadas. 

A sua revolta estomatológica é justificada. Entre os colegas anda tudo desdentado e encantado com a fada dos dentes. E há já quem tenha uma boca pequenita plantada de dentes enormes, desproporcionados, quase disformes.
Não há realmente justiça numa emancipação forçada, mas que tarda em materializar-se em queda de dentes... Então ele, que os traz partidos há tantos anos, e nem um a abanar para amostra! PObre menino de sua mãe.

Ir para a primeira classe (eu sei que agora se chama primeiro ano, mas há algo retro na 'primeira' e eu gosto do culto vintage) tem que se lhe diga, mesmo que se permaneça na mesma instituição e com quase o mesmo grupo de amigos que acompanha esta jornada de vida desde os oito meses de idade.

Em primeiro lugar há uma fronteira invisível no recreio. Agora, ele está do lado dos crescidos, território inexplorado, longe das caras que o acompanharam este tempo todo da sua primeira infância. Há caras novas também, o charme discreto do loiro terrorista das pestanas douradas, cicatriz na têmpora e dentes partidos vai ter que ser accionado rapidamente e em força para conquistar a Bárbara, que o vai acompanhar nos tempos livres nos próximos quatro anos, e sobretudo junto da Professora Elsa, que será a professora mais importante de toda a sua vida (mas ainda não lhe contei esse segredo)

Ele sabe-me nervosa também e tem gozado o prato sempre que pode. Sabe que é o meu menino de ouro, o meu único rapaz, e que a sua emancipação me dá dores de crescimento. Gozão como só ele consegue ser, junta as mãozinhas como se estivesse a rezar ao Santo António, faz os seus 'olhos de Bambi' doce - aqueles que quando me zango à séria e lhe dou uma palmada no rabo ele jura que nunca mais me fará - e imita o "Gumball", dos desenhos animados do Cartoon Network, suspirando: "Ahhhh, crescem tão depressaaaaa...."

Começou o pagode, agora não há nada a fazer, ele está a crescer e eu não posso tê-lo ao colo para sempre (até porque a barriga já vai para o sétimo mês de gravidez). 

Na semana passada, a de habituação ao lado do recreio dos crescidos, semana inteiramente dedicada a brincar, passou a ser caloiro franganote e foi, basicamente, 'praxado'.

Numa manobra básica para conquistar popularidade, ou numa tentativa de mera sobrevivência, levou a sua gigante colecção de Tazos e Invizimals,para o recreio. Ambas ficaram reduzidas a meia dúzia de cartas fatelas, rasgadas e dobradas, e Tazos riscados. "Eles precisavam das cartas para acabar a colecção", disse-me, crédulo, ou sabendo-a toda, mas fingindo que não, que não tinha sido afiambrado pelos crescidos, recebendo como troca umas migalhas de simpatia.

Sim, crescem mesmo depressa, e a partir daqui nada será como antes. 
E se, por um lado, tenho o coração encolhido, por outro, anseio pelas primeiras composições, pelas taralhoquices variadas que virão escritas - decerto - com uma caligrafia horrível de rapaz.

E ainda há uma semana era férias. 
A chuva e o regresso às aulas, ao trabalho e às rotinas enterraram esse assunto definitivamente. Suspiro.



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