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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Carolina, a diva melancólica pré-adolescente

[Foto: Carlos Augusto Stucky, nosso irmão brasileiro]

Na foto não se vêem, mas é dona de uns olhos de um pantone raro, que só se encontra nas águas calmas e quentes das Caraíbas. O rosto de boneca é enquadrado por um cabelo fininho com mil tons de loiros que uma qualquer multinacional de beleza tenta em vão desenvolver em laboratório para lançar uma nova coloração para o mercado. Apesar de não se verem os seus olhos-vitrais, este é o retrato fotográfico que melhor espelha a sua personalidade: uma diva melancólica, a entrar na adolescência, e não muito satisfeita por isso.

É a primogénita, carrega esse fardo de ter que ser o exemplo, estabelecer o benchmark, como se diz na gíria que uso quando escrevo press releases que hão-de ser notícias nos jornais de amanhã. 

Foi filha, neta, sobrinha única durante cinco anos. Ficou com tiques de vedeta desses tempos. Estragámo-la de mimos, tolerámos todos os caprichos, idolatrámos todas as suas gracinhas, e também fomos e continuamos a ser exigentes como não somos com mais nenhum dos nossos filhos.

Não é fácil ser a mais velha: cinco anos mais do que o António; dez anos acima da Aurora; aturar esta família onze anos antes deste bebé que dá pontapezitos ténues, quase imperceptíveis, enquanto escrevo estas linhas. 

É a metade loira de mim, idêntica na sensibilidade artística, na alegria excessiva ou nos arrebatadores estados melancólicos, na revolta contra toda e qualquer injustiça cometida no mundo ou na esquina da rua; temos até o mesmo tipo de mau-feitio autocentrado e o mesmo sono leve, levíssimo (nem em bebé conseguia ficar mais do que um minuto a olhar para ela a dormir; acordava logo em sobressalto).

Não se lembra da vida sem o João. Ele chegou à minha vida com um peluche do Noddy na mão — ele sabia que a minha vida eram duas já, para sempre; o rapaz é tímido mas não é parvo. O taxista da Enid Blyton foi a sua primeira e precoce manifestação de uma personalidade dada a obsessões. Para nos irmos habituando de bem cedo. 

Estranhou o João ao início, mas por pouco tempo. Éramos, tínhamos sido só nós duas numa casa muito antiga ao Marquês de Pombal; tínhamos sido sempre só as duas, mas rendeu-se de mansinho.
Dizia poucas palavras nessa altura, a sua pobre dicção assemelhava-a ainda mais a uma herdeira imigrante do Bloco de Leste comunista. Dizia muito bem «feia», palavrão com o qual agredia qualquer velhinha simpática que lhe fosse gabar a cor dos olhos ao carrinho de bebé, e era praticante de alta competição do «não». Até hoje.

Dá-se mal com mulheres; não lhes entende o ADN mesquinho, o estrogénio maldoso. Foi segregada na creche pelas outras meninas. Porque tinha olhos azuis, disseram-lhe. 

A primária foi um período muito feliz da sua vida: frequentou uma IPSS centenária e multicultural nos Anjos, ao Intendente, bairro para onde fomos morar antes de ser panfleto de propaganda de um presidente da câmara, candidato a líder do PS e a primeiro-ministro, e ali encontrou dias felizes numa turma de dez rapazes e apenas três raparigas.

Esfolou joelhos, tornou-se Maria-Rapaz e a menina da professora, das auxiliares e até das cozinheiras e, depois de ter sido cobaia dos primeiros exames da quarta classe depois da queda de Salazar, que passou com glória e distinção, foi lançada aos lobos e veio a primeira grande hecatombe na mudança para a escola pública com tiques de colégio privado, o liceu com fama de ser incubadora de todos os betinhos de Lisboa.

Houve de tudo um pouco este ano na vida da diva melancólica pré-adolescente: de uma turma de 13 para uma turma de 30. De um colégio familiar, com meninos de todas as raças, credos e faixas sociais, para uma EB2+3, com centenas e centenas de alunos, dos dez aos 18 anos de idade, em que o nosso carro, com dez anos de idade e muitas amolgadelas do primeiro ano de condução do pai (nota à navegação: nunca tirar a carta aos 35 anos e com três filhos a cargo), nos coloca numa estratosfera a roçar a vergonha.

Houve bullying refinado, ultrapassado com cicatrizes bem visíveis, houve notas a pique, concentração e brio guardados à chave para outras núpcias, e uma auto-estima reduzida a cinzas. 

A diva tem o mundo todo a seus pés só que ainda não se apercebeu. 

Aguardam-se então as cenas dos próximos capítulos.



1 comentário:

  1. Culpa vossa, a VOGUE não para de me ligar pedindo um photo shooting da anoréxica da vez!

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